O Comércio
A influência do número de fusos horários no Comércio
No contexto da abolição da mudança da hora, os políticos nacionais e europeus querem evitar que a Europa se torne uma "manta de retalhos" ao adoptar muitos fusos horários diferentes, pois uma das principais preocupações é que tal atrapalhe o comércio entre países [Euro19, Scha19] . No entanto, a análise da literatura disponível mostra que preocupações deste tipo são infundadas.
Convém então perceber quais são os efeitos económicos que dizem respeito à influência de fusos horários no comércio.
O primeiro efeito de que temos de falar é o da distância geográfica. Em geral, o comércio entre países diminui com o aumento da distância geográfica. Daí não surpreender que os maiores parceiros comerciais de Portugal sejam dentro da união europeia, sendo a Espanha, o nosso país vizinho, o maior de todos. Por exemplo, em 2018, o comércio com os países europeus representou cerca de 75.7% das exportações e 75.9% das importações. Tal demonstra com claridade a importância da proximidade geográfica para o desenvolvimento das relações comerciais. [Oec: 00] .
Apesar dessa observação geral, diferentes tipos de comércio são afetados diferentemente pela distância.
Exportações
Importações
Figura 1: Mapa das exportações e importações portuguesas em 2018 [Thea00] .
No comércio de serviços, por exemplo, os avanços nas tecnologias da informação e nas infraestruturas electrónica e digital associadas permitem compensar os efeitos das distâncias geográficas. Como tal, o potencial impacto negativo da distância no sector de serviços é, em geral, baixo. Outro exemplo, especialmente relevante para Portugal, são os serviços na área de transporte e turismo, para os quais o factor distância é irrelevante [Naka18].
Para além da influência da distância geográfica, os economistas consideram que diferentes fusos horários podem também constituir barreiras comerciais. No entanto, tal pode ter tanto um efeito positivo como negativo, dependendo do tipo de comércio efectuado e do sector no qual este é praticado. Os economistas distinguem dois efeitos, ou forças, na questão dos fusos horários: o efeito da continuidade (continuity) e o efeito de sincronização (synchronization) [Naka18] .
O efeito da continuidade diz respeito à capacidade de produzir para além do horário de serviço (como por exemplo, das 9h00 às 17h00) ao “transferir” o processo para uma outra localidade num fuso horário diferente. Um exemplo bem conhecido que ilustra o efeito da continuidade é o da indústria de Software dos EUA e da India, no qual engenheiros na India, pertencentes a uma subsidiária, filial, ou empresa parceira, continuam o processo de programação iniciado pelo engenheiro Americano, ou vice-versa, diminuindo assim o tempo de execução até à entrega do produto. O efeito da continuidade tem um efeito positivo no comércio. [Naka18].
Já o efeito da sincronização diz respeito a uma diminuição do contacto entre diferentes entidades comerciais, devido a um desfasamento das horas de serviço (9h00 na localidade A corresponde a 17h00 na localidade B), fazendo com que os seus processos internos sejam menos eficientes, ou afectando a comunicação com clientes internacionais. O efeito da sincronização tem um efeito negativo no comércio. [Naka18].
A forma como estes efeitos afetam o comércio é desafiante de estimar. Em primeiro lugar, o impacto é diferente dependendo do sector comercial, do tipo de indústria, e claro da localização e fuso horário de um país. Em segundo lugar, os economistas não concordam necessariamente com a magnitude dos efeitos individuais [BrFe19, EgLa13, Toma13]. Em geral, serviços parecem beneficiar da existência de fusos horários [Dett14, Toma13, Chri17], enquanto que produtos manufacturados parecem sofrer com estes [Toma13, Chri17].
No entanto, há factores comuns na literatura que nos ajudam a compreender que esta preocupação com o comércio não tem justificação. Primeiro, os efeitos quer positivos quer negativos dos fusos horários começam a ser significativos quando as diferenças entre fusos horários são iguais ou superiores a 4-5h [Chri17, Toma13], havendo inclusive autores sugerindo até 9h de diferença [Dett14] . Em segundo lugar, as dimensões destes efeitos no comércio, sejam estes lucro ou prejuízo, são relativamente pequenas [BrFe19, Chri17, Dett14, EgLa13, Toma13] . Por exemplo, uma estimativa para os EUA pressupõe que, por cada hora na diferença entre fusos horários, há uma redução do comércio em cerca de US $60 milhões, o que corresponderia a uma redução em 0.0025% de todo o comércio [Toma13] .
Os paralelos económicos entre os EUA e a União Europeia são muitos pois, para além de deterem os mercados únicos de maior expressão a nível mundial, são também atravessados por vários fusos horários. Na União Europeia, a diferença máxima de fuso horário é de duas horas, bem abaixo das 4 ou 5 horas para as quais os efeitos da continuidade ou sincronização se tornam significativos. Para além disso, quaisquer ganhos ou perdas na ordem dos 0.0025% não compensam outros efeitos económicos negativos que advém do mau alinhamento dos fusos horários, como é no caso dos horários de Verão.
Embora o alinhamento de fusos-horários (ou a abolição destes) não tenha de gerar obrigatoriamente horários de Verão permanentes, historicamente as tentativas de uniformização do fuso horário centraram-se nas economias mais fortes, sendo a referência na União Europeia a Alemanha. E tal, para países como Portugal, significa um desajuste to relógio em cerca de pelo menos 2h30 no continente, uma disrupção da balança comercial Portuguesa com parceiros não-europeus (25% de todas as exportações e 24% de todas as importações) e o maior afastamento de Portugal dos países lusófonos (Brasil e Angola ficariam agora com um maior desfasamento horário). E é de lembrar que Portugal já foi parte dessa experiência. Portugal esteve entre 1992 e 1996 vassalo à hora Alemã que teve efeitos desastrosos no país (para saber mais visite Aprender com o Passado).
Conclusão: Não existem estudos que indiquem ou mesmo provem um efeito negativo significativo das diferenças de fuso horário na Europa.
Efeitos específicos da hora de Verão no comércio
Alguns acreditam que o horário de verão beneficia certas áreas de negócios (golf, retalho) [Mich18, FaNW16]. Outros acreditam que o horário padrão beneficia outras áreas (agricultura, teatro, cinema, televisão, serviços de streaming, serviços pessoais e profissionais) [Bria13, FaNW16] . No entanto, nenhum valor numérico fiável foi encontrado na literatura disponível para sustentar tais afirmações.
De relevo é de citar um estudo de 1999 encomendado pelo União Europeia a uma empresa privada [ReVa99], que apresentou que o sector comercial do lazer (turismo, restauração, viagens, etc.) experiencia um benefício em 3% durante o horário de Verão [ArNe08, ReVa99]. No entanto, a precisão dessa conclusão deve ser tratada com extremo cuidado. Os próprios autores do estudo declaram no estudo em si ser “impossível basear quaisquer conclusões acerca deste setor em provas claras e concretas visto que a maior parte do material utilizado vem de opiniões, palpites, e suposições dos que atuam no setor” [JaSA14, ReVa99]. Tal aviso faz sentido pois as empresas e estabelecimentos consultados no estudo nunca estiveram ativos durante um verão sem horário de verão.
E essas preocupações têm mérito. Um estudo publicado em 2009 não corrobora esse potencial benefício, demonstrando que, utilizando metodologias semelhantes, cerca de um terço (33%) dos operadores na área do lazer entrevistados em Perth na Australia encontram que o horário de Verão é prejudicial aos seus negócios, 15% acham que o horário de Verão é vantajoso, enquanto os restantes (a maioria) é indiferente à hora do relógio [AlOg09]. Ainda assim, a aceitar esse incremento de 3% para a União Europeia como justificado (utilizando números de 2018 do “atlas of economic complexity” para viagens e turismo), Portugal experiência com o horário de Verão durante 7 meses um incremento em aproximadamente 715 milhões de euros, o que corresponde a um incremento do comércio em cerca de 0.67% (utilizando números de 2018 do “atlas of economic complexity” para viagens e turismo)[Thea00].
Presentemente, não há estudos sobre os efeitos do horário de verão durante todo o ano no setor comercial do lazer (por exemplo, se tal reduzirá ou aumentará o turismo de inverno).