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Os Nossos Direitos

Como a eliminação da mudança da hora para o Horário de Verão nos empodera a usar os horários e a luz do dia conscientemente, nos devolve o direito à saúde, e promove a inclusão em vez da discriminação.

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A Escolha

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Quem não gostaria de aproveitar uma hora extra de luz do sol depois do trabalho, talvez para encontrar alguns amigos, fazer um churrasco, talvez desporto...? Essa é a associação que é feita com o horário de verão. Mas por trás do horário de verão existe uma obrigação implícita: o horário de verão obriga as pessoas a acordar uma hora mais cedo. Então outra questão deve ser colocada: quem quer acordar uma hora mais cedo? Para a maioria das pessoas, isso não é algo agradável. E a maioria das pessoas acorda de manhã com o despertador e não porque tenham terminado de dormir.

Esta é a escolha que precisa de ser feita: sentir o mal-estar de acordar mais cedo e ter o prazer dessa luz solar extra ao entardecer, ou ter o prazer de dormir mais e perder essa hora extra de luz solar.

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Agir Nas Escolhas

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As pessoas deveriam ter o direito de escolher as suas dores e ganhos quando se trata de dormir. Acreditamos que essa é uma liberdade fundamental. Mas o direito de escolher foi desvirtuado por um perigoso mal-entendido. As pessoas pensam que esta é uma escolha entre o horário de verão permanente ("posso ter mais luz à tarde") ou o horário padrão ("posso descansar mais pela manhã"). Mas a verdade é que apenas o horário padrão oferece a possibilidade de escolha.

Vamos dissecar o que isso significa. Com o horário padrão (o de inverno), as pessoas podem dormir mais uma hora, ou podem acordar mais cedo. Existem muitas opções para iniciar mais cedo:

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  • a maioria dos trabalhos já começa cedo;

  • a maioria dos chefes é receptivo a horários de trabalho mais matutinos;

  • muitos empregos oferecem flexibilidade no horário de trabalho;

  • a maioria das escolas e jardins de infância começam ou abrem mais cedo.

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Como tal, o Horário Padrão permite-nos escolher como usar o tempo e a luz do dia.
Com o horário de verão, por outro lado, essa opção é-nos retirada: obriga todas as pessoas a acordar mais cedo e priva-nos de escolher dormir uma hora a mais pela manhã. Impinge-nos também um ritmo mais cedo, quer nos apercebamos ou não, quer queiramos ou não – a decisão foi tomada por nós. Isto porque infelizmente é quase impossível organizar uma rotina diária mais tardia, principalmente para famílias com crianças.

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Começar a trabalhar mais tarde ainda tem muito pouca aceitação social. As chegadas tardias são consideradas preguiçosas ou indisciplinadas. Os jardins de infância esperam que as crianças sejam trazidas até às 9h da manhã, o mais tardar. As horas de trabalho principais ou nucleares geralmente são entre as 9h e 15h. Toda e qualquer pessoa que, devido à sua janela biológica do sono, depende de começar o trabalho ou do jardim de infância às 9h00, para poder começar o dia sem insuficiência de sono, perdeu essa possibilidade com o horário de Verão. Isto porque, mesmo que o relógio diga 9h00, na realidade são apenas 8h00 - muito cedo para a janela biológica de sono de muitas pessoas.

É ainda mais trágico para famílias com crianças em idade escolar. A escola começa às 7h30 da manhã durante o horário de Verão em vez das 8h30 no horário padrão, mesmo que tal seja obscurecido pelo hora distorcida. E não se pode descurar que a distância casa-escola é muitas vezes longa, implicando acordar mais cedo e encurtar ainda mais o sono para chegar a tempo. Chegar a horas é quase impossível sem usar um despertador.

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O horário de verão dá mais luz às pessoas depois do trabalho pois saem também uma hora mais cedo, mas força muitos a perder o sono todos os dias. Com esse horário não temos escolha. O horário padrão, por sua vez, dá a todos a oportunidade de escolher e organizar melhor uma rotina diária que seja mais conveniente a cada um - seja acordar cedo ou dormir mais. Em vez de restringir com o horário de verão, é antes aconselhável manter os relógios na hora o mais acertada possível e explorar opções para flexibilizar os horários de trabalho, escola e creche.

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Das Escolhas aos Direitos

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Mas dormir bem é mais do que uma preferência. Não dormir bem prejudica gravemente a saúde. E mudar o fuso horário de um país para leste (como o que acontece todas as primaveras com o horário de verão) está a colocar inequivocamente os seus cidadãos em risco de saúde.

 

Se morar num país que ratificou a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, esta reconhece o direito de todos ao usufruto do mais alto padrão possível de saúde física e mental [Unit03]. Por outras palavras, os indivíduos não podem ser privados do seu direito à Saúde. Os indivíduos podem optar por dormir menos, mas não podem ser forçados por outros a fazer isso.

 

Para ilustrar melhor o que isto significa, imagine que um país promulga uma lei afirmando que todos devem fumar obrigatoriamente todos os dias. Ou que apenas bebidas ricas em açúcar podem ser consumidas. Quase ninguém consideraria isso aceitável em qualquer circunstância. As pessoas, no entanto, acham razoável que todos possamos tomar essas opções pessoais, desde que não prejudiquem as restantes pessoas.

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O Horário de Verão e os Direitos Humanos

A ideia dos direitos humanos é que cada um de nós, independentemente de quem somos ou de onde nascemos, tem direito aos mesmos direitos e liberdades básicas. Os direitos humanos não são privilégios e não podem ser concedidos ou revogados. Eles são inalienáveis ​​e universais.

 

A Lei Internacional dos Direitos Humanos, no seu Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, artigo 12º, já reconhece que a saúde e o bem-estar das pessoas e dos seus filhos deve ser protegida, como parte dos seus direitos individuais, e que é a obrigação dos países ratificadores impedir que tal se deteriore.

Pacto Internacional sobre Direitos

Económicos, Sociais e Culturais

Artigo 12.º

       

(1)  Os Estados-Signatários no presente Pacto reconhecem o direito de toda

      a pessoa gozar das melhores condições possíveis de saúde física e

      mental.

(2)  A fim de assegurar a plena efectividade deste direito, os Estados

      Signatários no presente Pacto deverão adoptar, entre outras, as 

      medidas necessárias para:

      a)   A redução do número de nados-mortos e da mortalidade infantil e o

            são desenvolvimento das crianças;

      b)   O melhoramento em todos os aspectos da higiene do trabalho e do

            meio ambiente;

      c)   A prevenção e o tratamento das doenças epidémicas, endémicas, 

            profissionais e outras, e lutar contra as mesmas;

     d)   A criação de condições que assegurem a todos a assistência médica

           e serviços médicos em caso de doença.

Tal como todos os países da União Europeia,  Portugal ratificou este Pacto.

Portugal destaca-se pelo seu compromisso para os Direito Humanos, estando estes preservados em vários artigos da Constituição da República Portuguesa, exaustivamente detalhados [BrCa13]. Mais, a Constituição Portuguesa, via o seu artigo 16º, reconhece que os tratados internacionais de direitos humanos desempenham um papel complementar, permitindo-lhes apoiar as clausulas constitucionais de direitos humanos [Mart12]. Como tal, para além das entidades legislativas nacionais, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (ECHR) tem também um papel legislativo, uma situação semelhante à de outros países como a França, a Bélgica, e a Espanha.

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Da carta pública conjunta "À Comissão da UE" das associações científicas European Biological Rhythm Society (EBRS), European Sleep Research Society (ESRS) e  A Society for Research on Biological Rhythms (SRBR) conclui que há consenso científico entre especialistas sobre escolhas saudáveis de fuso horário:

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"O horário padrão melhora o nosso sono (1), é mais saudável para nosso coração (2) e o nosso peso (3). O risco de cancro diminui (4), além de reduzir o consumo de álcool e tabaco (5). As pessoas serão mentalmente mais saudáveis (6) e o desempenho na escola e no trabalho melhorará (7)."

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        (Traduzido do inglês. Texto original:  https://esrs.eu/wp-content/uploads/2019/03/To_the_EU_Commission_on_DST.pdf )

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Assim, tanto a manutenção da transição sazonal para o horário de verão como a implementação de um horário de verão durante todo o ano, podem ser consideradas uma violação dos direitos humanos. 

Constitucionalmente, a lei-quadro está diretamente ligada aos direitos humanos [Cons00]. Com base neste pilar, estão assegurados o respeito pelos direitos humanos (artigo 7º) e a sua universalidade a todos os cidadãos (artigos 12º e 13º), reconhecendo-se que tratados ratificados são uma parte integrante dos direitos dos Portugueses (artigos 8º e 16º). Reconhece-se também o direito à vida (artigo 24º), o direito à integridade pessoal (artigo 25º), incluem-se provisões respeitando a identidade pessoal (artigo 26º) e o direito à saúde  (artigo 64º).

Constituição da República Portuguesa

Artigo 64.º

Saúde

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  1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.

  2. O direito à proteção da saúde é realizado:

[…]

b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a proteção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.

Horário Padrão: Mais Justiça e Igualdade

 

Os nossos horários habituais de trabalho, da escola ou do jardim de infância, favorecem os cronotipos matutinos e desfavorecem os médios e tardios, um tratamento desigual que é exacerbado pelo horário de verão. Repare, Portugal, tanto continental como os seus arquipélagos, não está nos seus fusos horários adequados. Isto significa que, durante o horário padrão, as horas sociais portuguesas já estão avançadas relativamente à hora solar: em média, cerca de 37 minutos para Portugal continental, 1h15m para a Madeira, e cerca de 1h para os Açores. Durante o horário de Verão, uma hora é adicionada a este desvio. Para contextualizar, quando um indivíduo acorda às 9h00 da manhã durante o horário de verão, efectivamente está a acordar às 7h23 da manhã no continente, às 6h45 na Madeira, e às 7h00 nos Açores.

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Os cronotipos matutinos, que naturalmente se cansam ao começo da noite e acordam cedo pela manhã, encaixam-se perfeitamente nas nossas estruturas sociais, tais como escolas e jardins de infância, sem falta de sono. Também o horário de trabalho da maioria dos empregos permite-lhes a possibilidade de dormir sem privações em qualquer dia da semana.

No entanto, a maioria das pessoas são cronotipos biologicamente médios ou tardios (ver Cronotipos e Jetlag Social). Esta maioria depende de horários sociais mais tardios para poder começar o dia bem descansado. Dependendo de seu cronotipo e obrigações sociais, é um desafio para essas pessoas organizar uma rotina diária que lhes permita viver sem privação de sono, sendo para demasiados impossível. O resultado deste desajuste é o jetlag social. As pessoas afectadas por jetlag social sofrem de sonolência diurna, têm maior risco de adoecer, são menos produtivos durante o dia e, consequentemente, apresentam pior desempenho escolar e académico. Tudo isto remove a igualdade de oportunidades, inevitavelmente levando a desvantagens nas carreiras e, claro, menores ordenados.

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Para combater esta desigualdade, empregos, escolas e jardins escola teriam que possibilitar o começar das actividades sociais mais tardiamente. O horário de verão, no entanto, tem o efeito oposto. Ao introduzir o relógio, os empregos e os serviços sociais começam uma hora mais cedo. Uma circunstância que torna ainda mais difícil para os desfavorecidos.

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Consequentemente, o horário de Verão é também uma condição que promove situações de exclusão social, e bullying. Os exemplos são vários, dramáticos e infelizmente bem conhecidos da nossa própria experiencia de vida. São os casos de alunos vítimas de exclusão por parte de colegas e instituições de ensino por terem dificuldades em aprender e participar devido ao sono e cansaço. São os casos no trabalho, onde cidadãos são conotados de  "preguiçosos” e “irresponsáveis” por quererem trabalhar em horários mais tardios e adequados ao seu relógio interno. Lembremo-nos que se uma pessoa acorda cedo é chamada de "trabalhador". Mas se alguém começar o trabalho mais tarde é mais provável que seja admoestado do que elogiado, ainda que ambos os indivíduos trabalhem o mesmo número de horas.

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​A decisão de alguns jovens em não ter filhos é particularmente dramática porque não se vêm em condições de levar uma vida que valha a pena viver com as limitações inseridas pelos horários sociais (trabalho, creche, escola). Isto porque ter filhos acarreta a penalidade de ter que lidar efectivamente com horários muito cedo impostos pelas instituições de ensino ou de trabalho e transformadas para ainda mais cedo pelo horário de Verão. Tal priva algumas pessoas de seu direito natural de começar uma família ou de desfrutar ao máximo a paternidade.

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Em termos de discriminação, Portugal assume os seus compromissos com a igualdade de direitos e tratamento igual independentemente do género, raça, origem e etnia, orientação sexual, fé, ou da opinião política expressa.  Criar condições de vida que discriminem as pessoas com base em seu cronotipo, como ocorre com o horário de verão, não atende aos padrões morais de nossa sociedade moderna.

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​Como Proteger Direitos e Escolhas

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A fim de permitir que todas as pessoas usem e controlem os seus horários de maneira mais consciente, capacitada e respeitosa, para proteger nosso direito de usufruir das melhores condições possíveis de saúde física e mental, e dar às pessoas uma oportunidade justa na sociedade independentemente de seu cronotipo, tudo o que precisamos de fazer enquanto Sociedade é escolher fusos horários geograficamente apropriados e parar com as mudanças de hora. Esta simples medida sozinha ajuda imenso a redução o jetlag social e assegura que mais pessoas sejam capazes de participar e contribuir para a nossa sociedade.

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Com o horário padrão, se se quiser uma hora extra de sol após o dia de trabalho, as preferências pessoais estão protegidas e asseguradas. Todos os utilitários sociais já estão presentes para indivíduos poderem organizar a sua vida de acordo com esta preferência. O horário de Verão é equivalente a acordar uma hora mais cedo e isso é algo que os indivíduos podem fazer por si próprios sem lesar os outros.

 

Ao escolher fusos horários geograficamente correctos, está a proteger-nos a todos e a promover uma Sociedade que funciona para todos de igual forma. Devemos terminar a mudança do relógio para o horário de verão e fazer um retorno permanente ao horário padrão. O horário padrão permanente significa escolha em vez de coerção, saúde em vez de doença e inclusão em vez de discriminação.

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